08/12/2025

Compras e Estoque no Simples Nacional: Como Evitar a Exclusão do Regime e Preservar a Saúde Financeira do Negócio

 

No Brasil, a compra de mercadorias com emissão de nota fiscal não é apenas uma obrigação formal: ela compõe a base de análise do Fisco sobre a coerência econômica do negócio, especialmente para empresas optantes pelo Simples Nacional.

Quando o volume de compras supera, de forma relevante, a capacidade de venda da empresa, surge um risco concreto: a incompatibilidade entre faturamento declarado e estoque, o que pode resultar em questionamentos fiscais e até na exclusão do regime.

Esse é um cenário frequente, principalmente no fechamento do ano-calendário, quando muitos empresários concentram grandes compras em poucos meses, sem planejamento ao longo do ano.


Base Legal: O Limite de 80% Previsto na LC 123/2006

A Lei Complementar n.º 123/2006, que institui o Simples Nacional, estabelece no seu artigo 29, inciso X, que a empresa pode ser excluída de ofício do regime quando, durante o ano-calendário, o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização for superior a 80% dos ingressos de recursos no mesmo período, ressalvadas as hipóteses em que houver justificada elevação de estoque.

Em termos práticos, isso significa que existe um critério objetivo que precisa ser monitorado:

  • Compras de mercadorias com nota fiscal ≤ 80% do faturamento anual.

Quando esse percentual é ultrapassado sem justificativa plausível e documentada, a empresa se expõe ao risco de:

  • exclusão do Simples Nacional, inclusive com efeitos retroativos;
  • reclassificação para outro regime tributário;
  • cobrança de diferenças de tributos, acrescidas de multas e juros.

Por Que o Fisco Monitora a Relação Compras x Receita?

Do ponto de vista tributário, a lógica é direta:

  • se a empresa compra muito com nota;
  • mas não vende, na mesma proporção, com emissão de nota e registro contábil;
  • há indício de que algo não está coerente na operação.

Nessa análise, é importante distinguir dois conceitos técnicos:

  • Venda sem emissão de nota fiscal: ocorre quando a empresa realiza a venda, mas não emite documento fiscal. A operação existe, mas não aparece na escrituração, e o imposto não é adequadamente recolhido.
  • Omissão ou ocultação de receita: ocorre quando a empresa deixa de registrar ou declarar parte do faturamento, com ou sem emissão de nota, utilizando artifícios como caixa paralelo, classificações indevidas ou subdeclaração de valores.

Em resumo: a venda sem nota é uma forma de omitir receita, mas a omissão de receita pode ocorrer de maneiras mais amplas. Quando o Fisco identifica que as compras com nota não se sustentam frente ao faturamento declarado, passa a trabalhar com a hipótese de omissão de receita, com todos os desdobramentos legais e tributários.


Compras x Receita: Faixas de Referência por Margem de Lucro e Margem de Contribuição

Embora a lei estabeleça um limite máximo de 80%, operar constantemente próximo a esse teto nem sempre é saudável do ponto de vista econômico. O percentual “seguro” de compras em relação à receita depende, em grande medida, da margem de lucro esperada e da margem de contribuição do negócio.

De forma simplificada, podemos usar as seguintes referências:

Perfil da Margem Compras (mercadorias) ÷ Receita Bruta
Alta margem de contribuição
(ex.: alguns segmentos de moda, acessórios, eletrônicos premium)
Em geral, entre 40% e 60% do faturamento
Margem intermediária
(ex.: variedades, utilidades, produtos sazonais)
Em geral, entre 60% e 75% do faturamento
Margem mais baixa
(ex.: supermercados, atacarejo, alguns segmentos de alimentação)
Pode se aproximar de 75% a 80% do faturamento

Esses intervalos não são “regras de lei”, mas parâmetros gerenciais que ajudam a avaliar se o padrão de compras está coerente com o modelo de negócio, com a margem de lucro e com a margem de contribuição.

A margem de contribuição é um indicador essencial para o empresário:

Margem de contribuição = Preço de venda – (Custos variáveis + Impostos sobre as vendas)

É essa margem que efetivamente contribui para:

  • cobrir as despesas fixas da empresa (aluguel, salários, energia, estruturas administrativas);
  • gerar lucro e permitir reinvestimentos.

Quando a empresa compra mercadorias em excesso, pressiona os custos, imobiliza caixa em estoque e, muitas vezes, acaba reduzindo sua margem de contribuição real.


“Comprei, Mas Não Vendi”: O Risco do Estoque Parado

Um dos pontos que mais chamam a atenção da fiscalização é a situação em que a empresa chega ao final do ano com um volume de compras elevado, mas sem vendas compatíveis e sem um estoque justificável, devidamente inventariado.

Se a empresa não comprova, de forma clara, o aumento de estoque, o Fisco pode interpretar que:

  • houve vendas sem emissão de nota fiscal, ou seja, operações realizadas à margem da escrituração;
  • omissão de receitas, com subdeclaração de faturamento ou registros inadequados;
  • o negócio apresenta incoerência econômica, pois os números não fecham do ponto de vista contábil, financeiro e tributário.

Nesse cenário, a chance de questionamento fiscal é elevada, e a empresa pode ser chamada a comprovar, com documentos e demonstrações, a lógica das suas operações.


Comprei Demais. E Agora? O Que Fazer na Prática

Se a empresa já se encontra em uma situação na qual o volume de compras está elevado em relação à receita, o caminho é atuar de forma preventiva e organizada, antes que a fiscalização bata à porta.

1) Realizar inventário físico e conciliar com o sistema

  • Fazer a contagem física de todo o estoque de mercadorias para revenda ou industrialização;
  • Confrontar a contagem com o sistema de controle interno e com os registros contábeis;
  • Corrigir divergências de forma documentada, por meio de ajustes formais, evitando “acertos informais”.

Esse passo demonstra, em eventual fiscalização, que a empresa tem controle efetivo do seu estoque e que as mercadorias existem de fato.

2) Documentar a justificativa para o estoque elevado

Em muitos casos, o aumento de compras pode ter explicação legítima, como:

  • sazonalidade (por exemplo, aumento de estoque para Natal, Dia das Mães, Dia das Crianças etc.);
  • ampliação do mix de produtos ou abertura de novos canais de venda;
  • negociação diferenciada com fornecedores, com condições especiais para compras em maior volume;
  • estratégias de expansão planejada para o período seguinte.

O ideal é registrar essas justificativas de forma formal, por exemplo:

  • relatório interno assinado pela administração;
  • parecer do contador;
  • atas de reunião ou planejamentos comerciais com data.

Esses documentos reforçam a boa-fé da empresa e ajudam a sustentar, tecnicamente, que o estoque elevado é fruto de planejamento, e não de omissão de receita.

3) Reavaliar a margem de contribuição e o impacto financeiro

Com o estoque mapeado e justificado, é fundamental avaliar o impacto financeiro desse volume de mercadorias:

  • verificar quanto do capital da empresa está imobilizado em estoque;
  • analisar se o preço de venda está adequado para recompor custos e gerar margem de contribuição satisfatória;
  • rever políticas de desconto e prazos de pagamento, para que o giro seja compatível com a necessidade de caixa.

Estoque parado significa dinheiro parado. Em muitos casos, significa também deterioração da margem de contribuição, especialmente quando o empresário aceita descontos agressivos apenas para “fazer caixa”, sem olhar a estrutura de custos.

4) Ajustar o planejamento de compras para o próximo ano

O planejamento de compras não deve ser concentrado em dezembro ou em períodos isolados. O ideal é trabalhar com projeções realistas, mês a mês, considerando:

  • histórico de vendas e sazonalidade;
  • giro médio de estoque por produto ou linha de produto;
  • limite legal de 80% e faixas gerenciais entre 40% e 80% do faturamento, conforme a margem do setor;
  • capacidade de caixa da empresa.

O objetivo é fazer com que as compras acompanhem o ritmo do negócio, garantindo segurança tributária e saúde financeira.

5) Acelerar a conversão de estoque em vendas de forma lícita

Para reduzir o estoque e melhorar o caixa, a empresa pode usar estratégias comerciais legítimas, como:

  • promoções programadas com emissão de nota fiscal;
  • combos de produtos e campanhas específicas para mercadorias de baixa rotatividade;
  • fortalecimento da presença digital para aumentar a base de clientes;
  • ações em datas sazonais com foco em desovar estoques parados.

O ponto central é evitar “soluções” indevidas, como vendas sem nota, manipulações contábeis ou registros inadequados, que aumentam ainda mais o risco de autuação.


Planejamento de Compras: Não Deixe Tudo para Dezembro

Um erro muito comum entre micro e pequenos empresários é tentar “corrigir o ano inteiro” em um único mês, concentrando grandes compras em dezembro para “aproveitar oportunidades” ou “se organizar para o ano seguinte”.

Na prática, isso pode gerar:

  • alterações bruscas no padrão de compras da empresa;
  • incompatibilidade entre giro de estoque e receita declarada;
  • desequilíbrio no fluxo de caixa;
  • exposição maior perante os mecanismos de cruzamento de dados do Fisco.

O planejamento de compras com nota fiscal deve ser contínuo ao longo do ano. O acompanhamento periódico de indicadores como:

  • Compras ÷ Receita;
  • Giro de estoque;
  • Margem de contribuição;
  • Ponto de equilíbrio do negócio;

permite que o empresário tome decisões informadas, alinhadas com a realidade tributária e financeira da empresa.


Conclusão: Coerência Econômica, Controle e Documentação

O Simples Nacional oferece uma tributação favorecida, mas exige, em contrapartida, coerência entre o que a empresa compra, o que vende e o que declara.

Em síntese:

  • o limite de compras de até 80% do faturamento anual é uma referência legal que não pode ser ignorada;
  • operar permanentemente próximo a esse teto, sem justificativa técnica, aumenta o risco de questionamento;
  • a margem de contribuição e o planejamento de compras ao longo do ano são fundamentais para a saúde do negócio;
  • o estoque precisa ser real, controlado e documentalmente comprovado;
  • venda sem nota e omissão de receita, além de ilegais, podem custar à empresa o próprio enquadramento no Simples Nacional.

O empresário que estrutura suas decisões com apoio contábil, indicadores de gestão e visão de longo prazo não apenas cumpre a legislação, mas fortalece o futuro da sua empresa.


Checklist Gratuito – Compras, Estoque e Limite de 80% no Simples Nacional

Para ajudar você a aplicar esses conceitos na prática, preparei um checklist objetivo com os principais pontos que devem ser monitorados ao longo do ano:

  • Indicadores essenciais para acompanhar compras e faturamento;
  • Itens mínimos de controle de estoque;
  • Perguntas-chave para avaliar se o volume de compras está coerente com a realidade da sua empresa.

Clique no link abaixo para baixar o material e começar a organizar suas compras e seu estoque com mais segurança:

Baixar o Checklist de Compras e Estoque no Simples Nacional

Este artigo não substitui uma análise individualizada. Em caso de dúvidas ou de situação específica de risco, busque orientação personalizada com seu contador ou consultor de confiança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário