Em 17 de dezembro de 2025, a Receita Federal do Brasil publicou o Manual de Perguntas e Respostas – Tributação de Altas Rendas: Considerações sobre Lucros e Dividendos, documento oficial destinado a orientar contribuintes, empresas e profissionais da contabilidade sobre a aplicação prática da Lei nº 15.270/2025.
Embora não possua natureza normativa, o manual é de extrema relevância, pois consolida o entendimento institucional da Receita Federal acerca da nova tributação dos lucros e dividendos, servindo como referência direta para fiscalizações futuras. Este artigo apresenta uma análise objetiva e esclarecedora dos principais pontos do manual, com foco nos impactos práticos e nos cuidados que devem ser adotados, especialmente no ano de 2025, último exercício sob o regime anterior.
A lógica da nova tributação de lucros e dividendos
A partir de janeiro de 2026, a distribuição de lucros e dividendos por pessoas jurídicas estabelecidas no Brasil a pessoas físicas residentes no País passa a sujeitar-se à retenção do Imposto de Renda na Fonte (IRRF), à alíquota de 10%, sempre que o valor distribuído:
- ultrapassar R$ 50.000,00 em um mesmo mês;
- for pago por uma mesma pessoa jurídica;
- a um mesmo beneficiário.
O manual esclarece que a retenção incide sobre o valor total da distribuição, e não apenas sobre o excedente, funcionando como antecipação do imposto devido pela pessoa física, passível de compensação ou restituição no ajuste anual.
O limite mensal de R$ 50.000,00
Um dos pontos de maior relevância prática abordados no manual é a fixação de um limite objetivo para a retenção.
Não haverá retenção de IRRF quando os lucros e dividendos pagos:
- não superarem R$ 50.000,00 no mês;
- independentemente do ano em que o lucro tenha sido apurado.
A Receita Federal ressalva que essa dispensa mensal não afasta automaticamente a análise do contribuinte no regime anual de tributação de altas rendas, aplicável àqueles cuja renda total ultrapasse R$ 600.000,00 no ano-calendário.
Lucros apurados até 31/12/2025: a principal hipótese de isenção
O ponto central do manual — e aquele que exige maior atenção de empresas e contadores — refere-se à manutenção da isenção dos lucros apurados até 31 de dezembro de 2025.
Para que esses valores não sofram tributação, a Receita Federal exige o cumprimento cumulativo dos seguintes requisitos:
- o lucro deve ter sido apurado até 31/12/2025;
- a distribuição deve ter sido deliberada e aprovada até essa data;
- a aprovação deve ocorrer por órgão societário competente, conforme o direito privado;
- o lucro deve tornar-se exigível ao sócio ou titular;
- o pagamento deve ocorrer nos termos originalmente aprovados, podendo estender-se até o ano-calendário de 2028.
O manual é expresso ao afirmar que balanços, lançamentos contábeis ou propostas de distribuição não substituem a deliberação formal. A isenção decorre do ato jurídico válido, e não apenas da existência do lucro.
Quem é o órgão societário competente
A Receita Federal adota um critério clássico do direito societário: o órgão competente é definido pela natureza jurídica da empresa.
- Sociedade limitada: reunião ou assembleia de sócios, formalizada por ata;
- Empresário individual: o próprio titular, desde que a decisão seja formalizada por escrito, por meio de termo de deliberação.
O manual não exige o registro dessas atas ou termos na Junta Comercial ou em cartório, pois o requisito legal é a validade da deliberação, e não a publicidade do ato.
Procedimentos contábeis após a aprovação da distribuição
O Manual de Perguntas e Respostas da Receita Federal deixa claro que a aprovação da distribuição de lucros não produz apenas efeitos jurídicos, mas gera consequências contábeis imediatas. Uma vez deliberada a distribuição pelo órgão societário competente, o lucro deixa de integrar o patrimônio líquido da empresa e passa a constituir obrigação exigível perante o sócio ou titular.
Do ponto de vista contábil, os principais procedimentos a serem observados são:
- reclassificação do valor aprovado de Lucros Acumulados ou Resultado do Exercício para o passivo, em conta específica de Lucros ou Dividendos a Pagar;
- segregação adequada entre passivo circulante e não circulante, conforme o cronograma de pagamento aprovado;
- observância rigorosa do cronograma deliberado, pois pagamentos fora do que foi aprovado fragilizam a caracterização da exigibilidade;
- exclusão desses valores da base de cálculo dos Juros sobre Capital Próprio, a partir do momento em que os lucros se tornam exigíveis;
- coerência plena entre a deliberação societária, a escrituração contábil e os pagamentos efetivamente realizados.
A Receita Federal sinaliza, de forma inequívoca, que a correta caracterização da isenção ou da tributação não depende apenas da existência do lucro, mas do conjunto formado por ato societário válido, registro contábil adequado e execução fiel do que foi aprovado.
Capitalização de lucros: nova leitura fiscal
Outro ponto relevante do manual diz respeito à capitalização de lucros, que passa a ser tratada como forma de “emprego” do lucro.
Como regra geral, a partir de 2026, a capitalização estará sujeita à tributação. Permanecerão isentos, contudo, os lucros:
- apurados até 31/12/2025;
- capitalizados mediante deliberação válida até essa data.
A Receita Federal alerta que operações artificiais, especialmente reduções de capital realizadas sem fundamento jurídico consistente, podem descaracterizar a isenção e ensejar tributação.
Simples Nacional: fim da interpretação ampliativa da isenção
O manual afasta expressamente a interpretação de que o Simples Nacional preservaria a isenção dos lucros e dividendos.
Com a vigência da Lei nº 15.270/2025:
- a isenção prevista no art. 14 da LC nº 123/2006 deixa de produzir efeitos nesse ponto;
- as empresas optantes pelo Simples Nacional passam a submeter-se às mesmas regras de retenção, limites e exceções aplicáveis às demais pessoas jurídicas.
Conclusão
O Manual de Perguntas e Respostas publicado pela Receita Federal em 17 de dezembro de 2025 não cria novas obrigações, mas define com clareza o entendimento oficial que orientará a fiscalização.
A mensagem é inequívoca: a partir de 2026, a tributação será a regra; a isenção, exceção condicionada à forma jurídica correta.
O ano de 2025 assume papel estratégico, exigindo das empresas e dos profissionais da contabilidade não apenas apuração adequada, mas planejamento societário, formalização de deliberações e rigor documental. Mais do que uma mudança tributária, o manual sinaliza uma mudança de postura: a isenção deixa de ser automática e passa a depender da conformidade jurídica dos atos praticados.

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